No início de 2003, as pessoas passavam alguns dias frios de inverno em pontos de ônibus nas ruas de Madri. A temperatura rondava os 0ºC a 2ºC e, enquanto os peões esperavam ansiosos pela passagem do próximo autocarro, nas paragens lia-se anúncios de ofertas dos proprietários que queriam vender directamente os seus flats ou apartamentos, sem pagar comissões a intermediários, a preços que rondavam os 180.000€ a 200.000€ por 90 m2.
Segundo as estatísticas, naquela época o preço médio das casas usadas na capital madrilenha girava em torno de 3.100 euros por m2. Nos bairros mais caros da capital, como Salamanca ou Chamartín, o preço ultrapassava os 3.900€ e nas periferias, como Getafe ou Leganes, os preços rondavam os 2.000€, embora indo para bairros mais afastados, como Parla ou El Escorial, você pode encontrar preços de € 1.400. Naquela época, o euro era negociado a 1,08 dólares e o dólar a S/. 3,49, ou seja, um euro equivalia a S/. 3.77.
A economia obviamente ia muito bem: a Espanha vinha experimentando um crescimento sustentado desde o início dos anos 1990. O preço médio dos imóveis no primeiro trimestre de 2003 subiu a uma taxa trimestral de 4%. Porém, nem mesmo os especialistas ousaram sequer aceitar a possibilidade de fomentar, e muito menos pilotar, uma bolha imobiliária, embora o preço médio do m2 em Madri já subisse a taxas de 26% e 28% em 2001 e 2002 e depois fechou 2003 em mais de 17%.
Ao contrário, diante da reivindicação das próprias construtoras, o governo central e os governos locais fizeram grandes esforços para viabilizar uma maior quantidade de solo urbano. E é que a procura imobiliária ultrapassou em muito a oferta naturalmente mais rígida que não foi suficiente para construir ao mesmo ritmo. No entanto, a existência de urbanizações com um grande número de apartamentos novos e desabitados, comprados por grandes investidores, era vox populi, então foram discutidas opções de como forçá-los a pelo menos colocá-los para alugar.
O que mais pressionou a demanda não foi o aumento de ordenados e salários, que no máximo aumentavam conforme a variação da taxa de inflação, que não chegava a 4% ao ano, apesar de a meta do Banco Central Europeu para todos na zona do euro foi de 2%. O que realmente pressionava a demanda imobiliária era a forte expansão do crédito bancário. O crédito para compra de casa não só cresceu 17%, 17% e 21% em 2001, 2002 e 2003, como vinha crescendo a taxas superiores a 20% entre 1997 e 2000.
Como sinal do esgotamento do modelo, não só existia uma agência bancária quase a cada 2 quarteirões, como o prazo máximo do crédito à habitação já tinha passado de 30 para 40 anos, embora em algumas entidades já começassem a ouvir possíveis ofertas de hipotecas de até 50 anos: mais do que uma vida profissional para pagar. Mas, como se isso não bastasse ao final, nessa época também começava a ser ofertada massivamente a hipoteca reversa, ou seja, créditos que são desembolsados ao devedor em uma ou mais parcelas até um valor máximo dependendo do valor do o imóvel, e que depois são pagos às entidades financeiras, pelos herdeiros, com o valor borbulhante remanescente do imóvel após a morte do proprietário.
Nesse mesmo ano de 2003, mas do outro lado do mundo, anúncios de vendas podiam ser vistos nos jornais onde o preço por m2 em bairros de classe média de Lima, como Miraflores, poderia ser em torno de S/. 1.500, cerca de $430 ou €400, ou seja, quase um quinto do que custa o m2 numa zona semelhante em Madrid. O Peru saía da recessão provocada pela crise bancária de 1998-1999, crise na qual desapareceu quase a metade dos 25 bancos privados existentes. E como ocorre em qualquer crise bancária, também houve uma honestidade nos preços dos imóveis, porque, no fundo, são os imóveis que constituem a maior parte das garantias que os bancos prestam numa crise.
E é que nos quatro anos após o pico máximo atingido no início de 1999, durante uma recessão profundamente longa e dolorosa, o preço do m2 de casas caiu quase 30%, embora o preço dos imóveis comerciais e industriais tenha registrado fica entre 40% e 50%. A queda dos preços da habitação nessa altura não foi maior, nem teve tanto impacto social, porque até então o acesso ao crédito à habitação era muito limitado.
Até antes de 1997, era exigida uma taxa inicial entre 25% e 30% e comprovação de renda formal mínima equivalente a mais de US$ 1.500 ou US$ 2.000 (entre S/. 4.000 e S/. 5.000, muito mais do que 10 salários mínimos vitais). , dependendo se o requerente era solteiro ou casado. Os empréstimos hipotecários eram concedidos apenas em dólares a uma taxa efetiva anual de 14% a 18% e com prazos máximos de 12 a 15 anos, mas era comum dar-lhes uma média de 7 ou máximo de 10 anos. Assim, o acesso ao crédito hipotecário foi direcionado às classes média e alta de Lima.
Mais de 4 anos se passaram e em meados de 2007 estourou a crise financeira nos EUA, que começou justamente no setor imobiliário como consequência da crise dos empréstimos hipotecários de má qualidade que haviam sido entregues de forma irresponsável durante a fase expansiva da crise monetária sem qualquer regulamentação financeira ou supervisão bancária devido à externalidade que poderiam gerar. A referida crise foi facilmente transmitida como uma crise de liquidez fora dos EUA, o que afetou as entidades financeiras que utilizaram a referida liquidez para financiar os complexos instrumentos financeiros AAA com os quais se financiaram as referidas hipotecas de má qualidade. Isso acabou estourando as bolhas imobiliárias em países como Espanha e Reino Unido, entre outros.
Assim, embora a atual crise econômica na Espanha tenha começado no início de 2008, os preços da bolha imobiliária já haviam atingido máximos em meados de 2007 e a partir de então começaram a recuar apenas ligeiramente. No final de 2007, o preço médio das habitações usadas na capital madrilenha ultrapassava os 4.200€ por m2. Em 2004, 2005, 2006 e 2007, a alta anual dos preços vinha desacelerando (7%, 7%, 5% e 0%), apesar de a taxa de crédito continuar crescendo a taxas de 20% ao ano , ao contrário da forte subida de preços verificada em 2001, 2002 e 2003 (mais de 25%, 25% e 17%) quando o crédito cresceu a taxas anuais de 17%. Desta forma, como no final de 2000 o preço médio por m2 de habitação não atingia os 1.900€, até ao pico de 2007 acumulou-se um aumento total de 120%.
Nos bairros mais caros da capital, como Salamanca ou Chamartín, o preço rondava os 5.300€ e na periferia, como Getafe ou Leganes, os preços rondavam os 3.000€, embora indo para bairros mais afastados, como Parla ou El Escorial, os preços atingiram os 2.400€ e os 2.600€. Naquela época, o euro estava sendo negociado a 1,45 dólares e o dólar a S/. 2,95, ou seja, um euro equivalia a S/. 4.28.
Desde então já se passaram mais de 4 anos, mas desta vez de reversão do ciclo imobiliário na Espanha. Na capital madrilenha, o preço do m2 acumulou uma queda de apenas -19% desde que atingiu seu máximo histórico em meados de 2007, embora outras cidades tenham registrado quedas acumuladas que já superam os -27%. Dentro de Madrid, nos bairros de classe média alta, os preços caíram apenas -12%, mas nos bairros de classe média e baixa quase -33%, embora tudo indica que isso ainda não é suficiente.
Assim, em 2011 o preço médio da habitação em segunda mão na capital madrilenha fechou abaixo dos 3.500€. Nos bairros mais caros da capital, como Salamanca ou Chamartín, a cotação fechou nos 4.700€ e na periferia, como Getafe ou Leganes, os preços fecharam nos 2.000€, embora indo para locais mais afastados, como Parla ou El Escorial, as cotações fecharam nos 1.600€ e 1.900€. Na mesma data, o euro era negociado a 1,30 dólares e o dólar a S/. 2,69, ou seja, um euro equivalia a S/. 3,50.
Até que ponto os preços devem cair na Espanha para restabelecer o equilíbrio? Em média, no final de 2011, os preços em Madrid estavam nos mesmos níveis de meados de 2003, mas os preços em Barcelona apenas se encontravam nos mesmos níveis de meados de 2004. Ou seja, o aumento excessivo dos preços não só ocorreram em 2005, 2006 e 2007 como por vezes se afirma, embora até agora tenha sido nesses anos que a maioria dos créditos à habitação foram concedidos com os prazos de pagamento mais longos e os preços mais elevados da história.
Mas voltando ao Peru: se apenas entre 2006 e 2011 o preço médio por metro quadrado em Lima das residências de classe média e alta localizadas nos distritos de Miraflores, Surco, San Isidro, La Molina e San Borja já acumulam aumento de 165% medido em dólares, 145% medido em euros e 125% medido em soles, enquanto nos bairros populares o aumento foi maior.Isso é um sinal de que já estamos vivendo uma bolha imobiliária? O Peru é como a Espanha era em 2000, 2003 ou 2006? Não se sabe.
O que se pode intuir é que se houvesse uma bolha e ela estourasse teria poucas consequências para a actividade económica, não só porque grande parte do crescimento actual assenta na procura interna e parte dela assenta no sector da construção, mas também porque parte Uma parte muito importante desta procura interna assenta no crédito bancário, que por sua vez assenta em grande medida em garantias imobiliárias.
Por exemplo, um botão: depois que a crise na Espanha estourou em 2008 e os preços dos imóveis começaram a cair, o crescimento do crédito, hipotecário e não hipotecário, começou a desacelerar: 2009, 2010 e 2011 fecharam com taxas de crescimento nulo ou negativo, para ambas as modalidades de crédito. Será porque o crédito à habitação passou a representar quase 50% do crédito total, mas teria sido diferente se o peso fosse menor? Não.
No Peru, na crise bancária de 1998-1999, os empréstimos hipotecários não representavam nem 10% do total dos empréstimos; mas enquanto os preços dos imóveis caíram em 2000, 2001, 2002 e 2003, os outros 90% constituídos por empréstimos não hipotecários mantiveram taxas de crescimento nulas ou negativas, tal como acontece hoje em Espanha.
O que você pode fazer então? Sem dúvida, moderar a origem do excesso de demanda por imóveis. Como? Aumento significativo dos requisitos de capital bancário para empréstimos hipotecários concedidos há mais de 15 anos, ou com comissão inicial inferior a 20%, ou em moeda estrangeira. A história das crises de crédito sempre termina ensinando que, para preservar a estabilidade financeira, o acesso ao crédito imobiliário também deve ser, por definição, ordenado, comedido e sustentável. Se não, não há inclusão financeira ou inclusão de crédito que valha a pena.