EXISTE PAPEL DO ESTADO NO NEGÓCIO BANCÁRIO?

EXISTE PAPEL DO ESTADO NO NEGÓCIO BANCÁRIO?

O discurso ideológico predominante nesta parte do hemisfério nos últimos 20 anos enfatizou a necessidade de todas as entidades financeiras serem de propriedade privada, não de propriedade pública. Por quê? Por causa do ceticismo sobre o papel que o Estado costuma desempenhar quando tenta solucionar ou mitigar as falhas do mercado financeiro.

No entanto, embora existam evidências empíricas do fraco papel que a intervenção do Estado tende a desempenhar nos países em desenvolvimento, o que não se costuma dizer é que não há evidência empírica que mostre que a intervenção do Estado nos sistemas financeiros dos países em desenvolvimento não tenha teve um impacto favorável em seu crescimento e desenvolvimento econômico. Além disso, há um consenso crescente de que uma condição necessária para o desenvolvimento econômico é, justamente, o desenvolvimento financeiro.

Como mostra a experiência internacional, a chave da qualidade da intervenção do Estado reside fundamentalmente na qualidade dos seus gestores e na forma como o problema do moral hazard é mitigado ou controlado. Afinal, o sucesso de qualquer empresa ou projeto, público ou privado, depende de como se lida com o típico problema do agente-principal: como fazer com que os agentes (dirigentes políticos ou empresariais) atuem em prol dos interesses do principal (o Estado ou os acionistas privados) e não seus próprios interesses pessoais.

Talvez por isso alguns especialistas apenas aceitem que o Estado deva ter apenas um papel subsidiário no mercado financeiro. No entanto, assumindo que essa limitação fosse válida, no Peru não se reconhece que a subsidiariedade não costuma ser sustentável (se não, algum particular já estaria lucrando) a menos que haja apoio financeiro direto do Estado, como é feito. e outros países em desenvolvimento.

Em resposta a esse importante papel do Estado no negócio bancário, surgiu durante décadas o ‘banco de desenvolvimento’, em oposição à concepção tradicional de ‘banco comercial’. A diferença é que a primeira busca promover o desenvolvimento econômico, fechando lacunas causadas por falhas de mercado. Exemplos de falhas típicas de mercado nesta área são financiamento de longo prazo, financiamento agrícola, financiamento para pequenas e micro empresas, entre outros.

Assim, os bancos de desenvolvimento são instituições que têm um mandato explícito de política pública para mitigar falhas de mercado e, por esse motivo, tendem a ser de propriedade pública (de um ou vários governos nacionais, regionais ou locais). No entanto, como parte das boas práticas de transparência e prestação de contas, devem observar a mesma regulamentação e supervisão aplicada a outras instituições (privadas) de crédito e depósito.

Em contraste, os bancos comerciais de propriedade pública são instituições que aceitam depósitos ou concedem crédito, mas não têm um mandato explícito de política pública além da maximização do lucro. Portanto, devem necessariamente se pautar pelos mesmos padrões da propriedade privada, observando a mesma regulação e supervisão bancária tradicional.

Agora, se focarmos anacronicamente na forma como eles entregam seus serviços aos seus clientes-alvo, como era feito há mais de 20 anos, as instituições financeiras ou intermediárias públicas de qualquer país poderiam ser classificadas como:

(i) Bancos primários ou de primeiro nível por ativos e passivos: São os intermediários que prestam seus serviços (fundamentalmente créditos e depósitos) diretamente ao público. Esses intermediários de propriedade pública podem atuar como ‘bancos comerciais’ ou ‘bancos de desenvolvimento’ ou ‘bancos híbridos’.

(ii) Bancos secundários ou de segundo nível por ativos e passivos: Os intermediários que prestam seus serviços ao público por meio de outros intermediários de primeiro nível porque atendem diretamente ao público. Nesse caso, os intermediários de propriedade pública atuam apenas como ‘bancos de desenvolvimento’.

(iii) Bancos primários ou de primeira linha baseados apenas em ativos: aqueles intermediários que concedem crédito diretamente ao público (em setores econômicos específicos), mas não podem captar depósitos do público, mas sim financiar bancos e agências multilaterais de desenvolvimento, com a emissão de títulos ou com transferências governamentais. Todos eles atuam apenas como ‘bancos de desenvolvimento’.

(iv) Bancos primários ou de primeira linha por passivos: São os intermediários que captam depósitos diretamente do público, mas não podem conceder-lhes crédito. Geralmente são entidades que atuam como mobilizadoras de poupança e só investem em títulos do governo de curto prazo, como se fossem fundos do tesouro soberano.

(v) Entidades financeiras não bancárias: Entidades que não exercem atividades bancárias propriamente ditas, mas normalmente prestam assistência técnica, contrapartidas, reforços parciais de crédito, subsídios. Dentro desta categoria estão todas as agências de desenvolvimento.

Porém, como visto, essa classificação nada diz sobre o tipo de operação possível com base no risco assumido. E é que a velocidade da inovação financeira nos últimos 20 anos ultrapassou em muito a regulamentação, como evidenciado pela mais recente crise financeira internacional.

Isso fez com que a caracterização anterior se tornasse, por mais de 10 anos, obsoleta. Por exemplo, muitos bancos (principais) estavam fabricando com lucro empréstimos hipotecários de baixa qualidade porque simplesmente não assumiam o risco dos tomadores desses empréstimos. Obviamente, isso fez com que outros bancos e instituições financeiras (secundárias) fossem à falência, embora nunca atendessem a esses devedores.

Por isso, o que é realmente relevante não é o atendimento ou não do público, mas sim o papel das entidades envolvidas no enfrentamento do risco.

Claro que para avaliar a qualidade e eficácia da intervenção do Estado no negócio bancário, enquanto banco de desenvolvimento, há que avaliar: (i) a qualidade do seu governo societário e enquadramento legal, (ii) a eficácia do seu impacto no desenvolvimento , e (iii) ao nível do seu desempenho e da sua sustentabilidade.

Por outro lado, se falássemos apenas da saúde de um banco comercial, seja público ou privado, como sempre, apenas o primeiro e o terceiro aspectos seriam avaliados, enquanto o segundo aspecto avaliaria o tradicional impacto que a entidade tem sobre o riqueza de seus proprietários (rentabilidade privada), em vez de seu impacto no desenvolvimento da sociedade como um todo (rentabilidade social).

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